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A promessa do amor

Amor, palavra tão pequena e ao mesmo tempo com significados diversos e poderosos. Ele pode ser leve, duradouro, nos deixar nas nuvens, causar borboletas no estômago. Mas, também pode nos derrubar, entristecer, adoecer, desejar nunca ter sentido… amor. Sei que muitas de nós, mulheres, conhecemos o amor romântico desde muito pequenas, quando nos contam estórias e nos apresentam aos filmes de princesas. Já na adolescência, são as comédias românticas, séries, doramas; ali começamos a torcer por casais, o termo shippar fará parte dos nossos dias e das conversas com amigas. Nos identificamos com as personagens e queremos viver um grande amor. Queremos aquilo que nos prometem desde pequenas… amar e ser amadas.

No livro que lancei recentemente, em coautoria com outras duas colegas, discutimos este ideal amoroso como processo educativo. Ao longo da vida ao nos apresentarem as relações amorosas como salvação para nós mulheres, nos limitam a este único modo de ser (amar alguém incondicionalmente), nos colocam em cativeiros. Nos ensinam: em casa, na escola, nas atividades extracurriculares, nas brincadeiras, nos livros, filmes, ou seja, nos espaços públicos ou privados a sociedade nos ensina a amar aos outros antes (e mais) do que a nós mesmas. A promessa de que o amor tudo pode, tudo aceita, tudo cura, é dessas promessas que muitas de nós acreditamos e fazemos a nós mesmas. Não é mesmo? É o que ouço de pacientes, alunas, amigas, e da minha própria experiência.

Quantas vezes já ouvimos de mulheres que estão em relações abusivas frases como: “não é todo dia que ele faz isso”, “foi só essa vez”, “ele é tão bom pra mim”, “eu sei que ele me ama e por isso sei que vai ser diferente”, “ele me prometeu que vai mudar”. Essas são as promessas do amor que mais doem, e às quais as mulheres se agarram para não perderem a si mesmas. Ao nos educarem desde pequenas com o ideal de que “o amor tudo cura”, tiram de nós a oportunidade de compreendermos o amor pelo viés da reflexão, da crítica. Nos tiram a oportunidade de abandonar algo que é tudo menos amor.

Uma educação transformadora e desalienadora parte do princípio de igualdade de gênero, da compreensão de que os cuidados da casa e de pessoas não são responsabilidade apenas das meninas/mulheres; deixar que meninas possam brincar do que quiserem, se aventurar, se testar, conhecer os limites de si mesmas (assim como deixam os meninos). Uma educação para a liberdade amorosa começa quando as responsabilidades são divididas por igual entre homens e mulheres, onde os primeiros aprendem a colocar o amor como parte das prioridades de sua vida, enquanto as segundas aprendem que o amor não deve ser a única prioridade.

Dividir a vida com alguém requer envolvimento, engajamento e dedicação. Nesse caminho gastamos energias vitais importantes para manter nossa saúde física e mental em dia. Mulheres recuperam poucas energias vitais, pois além de trabalharem fora se dedicam aos trabalhos do lar e dos cuidados de outras pessoas (marido/filhos/familiares) de modo desproporcional aos seus companheiros. É por essas e outras questões que uma educação amorosa diferente da que conhecemos precisa ser (re)pensada.

Quando entendemos o amor como prática cotidiana, que gera consequências, por vezes ruins, na vida das pessoas, compreendemos a importância da mudança. O modelo hegemônico atual é o amor romântico, onde a dedicação e a responsabilidade são impostas às mulheres. Este modelo promete a todas nós que ao seguir regras como a de cuidar dos outros antes de cuidar de nós mesmas, seremos amadas. Nos promete que podemos salvar o outro de si mesmo, de seus vícios, de sua violência. Essas são promessas do amor que nos ensinaram viver, mas sempre há tempo para a mudança, para a crítica e superação do modelo hegemônico. Um amor mais leve, igualitário e de parceria é possível, e ele pode começar a partir do momento em que fazemos a mais importante das promessas de amor… a do amor por si mesma.

REFERÊNCIAS: